Respeito muito quem cultua as tradições gaúchas e procura se apresentar numa estampa que identifica sua procedência, sua terra, suas raízes. Eu tenho o meu jeito de ser gaúcho. Sou gaúcho sem paramento ou pilcha, simplesmente paisano do sul. E meu vocabulário gaúcho é muito modesto e jamais alcançaria o nível dos CTGs. Teria muita dificuldade, por exemplo, de me pronunciar num CTG. Mas como aprendi de meu pai que o gaúcho verdadeiro é um ser muito respeitoso, então me atrevo a conversar com gaúchos e gaúchas de qualquer querência. Sei que o modo respeitoso do bom gaúcho, sua altaneira característica de cordialidade me permite falar no meu jeito normal, sem usar de hipocrisia. E por isso quero explicar aos amigos tradicionalistas a razão de não chamar Deus de patrão, como sugere a liturgia da Missa Crioula.
No início da Semana Farroupilha deste ano, tive a oportunidade de presidir uma Missa Crioula e me admirei com a beleza da poesia e o fervor da fé presentes na liturgia tradicionalista. Sem jamais querer causar ressentimentos ou ofender a fé e a devoção “crioula”, procurei substituir algumas palavras da liturgia. Mas o que mais causou interrogações foi sobre a substituição da palavra patrão por pai. Onde a liturgia sugeria evocar Deus como patrão, procurei usar outra palavra, como por exemplo, pai. Afinal, não conheço o deus patrão.
Como posso evocar um deus que não conheço? Não conheço o deus patrão. Por isso não o evoco. Não posso chamar um deus que não existe na minha fé, um deus que não habita na mesma querência de Jesus Cristo. Um deus estranho. Seria um ídolo? Evocar ou anunciar este deus, me parece ser idolatria.
Mas, alguém poderia me dizer que o apóstolo Paulo, em Atenas, quando percebeu a inscrição “Ao Deus Desconhecido”, disse que ali estava para falar deste Deus. Mas o Deus que Paulo comunicou foi o Deus de Jesus Cristo que se havia revelado a ele. Era, portanto, conhecido de Paulo, era o Deus de sua fé. Paulo deu nome ao desconhecido e o revelou. Por isso, na Missa Crioula, onde se refere a Deus como patrão, sendo uma forma estranha de chamar Deus, é coerente que isto seja modificado. Continuar chamando Deus de patrão é torna-lo estranho e longe dos nossos corações.
Não foi um patrão que me apresentou Deus. O Deus da minha fé me foi revelado por meu pai, minha mãe, irmãos, irmãs e companheiros, companheiras de caminhada. Por isso, para mim, Deus é pai, mãe, Deus é companheiro e se fez nosso irmão. Também entendo que não é para todas as pessoas que a palavra pai revela a verdadeira imagem de Deus. Chamo Deus de pai, porque meu pai também me revelou Deus. Mas sei que para quem não teve um bom pai ou o pai foi sempre ausente, não é agradável chamar Deus de pai. Acredito, portanto, que a relação com Deus, sempre com simbolismos, tem tudo a ver com a história de cada pessoa, de cada do povo e das diferentes culturas.
E olhando para a história do povo gaúcho e para a vida cotidiana das populações, culturas, etnias que compõe o Estado do Rio Grande do Sul, me parece que não é normal chamar Deus de patrão. Entendo que evocar o nome de Deus como patrão, numa terra onde o patrão manda e castiga, explora e oprime o peão, é uma ofensa ao Deus libertador, criador e defensor da vida. Chamar Deus de patrão ofende a Jesus Cristo que veio revelar o Pai de bondade, que veio anunciar o Reino de Deus como um reino de justiça e igualdade. Para começar, a palavra patrão ofende a bandeira do Rio Grande do Sul, que prega a igualdade. Imagina o tamanho da ofensa ao chamar Deus de patrão.
Pilato Pereira
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