sábado, 25 de fevereiro de 2012

35ª Romaria da Terra: “Diante de ti ponho a vida e ponho a morte”


Foto: Milton Gerhardt, Diocese de Santo Ângelo, CPT-RS

por Pilato Pereira*
Na terça-feira de carnaval, 21 de fevereiro, uma multidão de mais de 15 mil pessoas em marcha numa estrada de chão, cuja paisagem trazia a marca de uma terrível estiagem, realizou a 35ª Romaria da Terra no Rio Grande do Sul, que foi acolhida pelo povo do município de Santo Cristo. O tema da Romaria “Agricultura Familiar Camponesa: Vida com Saúde” foi muito bem trabalhado nas ações litúrgicas celebrativas, nos discursos e pronunciamentos políticos e nos momentos culturais. Para marcar a temática, entre outras canções e hinos, o cântico mais entoado foi o do Padre Zezinho, cuja letra assim inicia: “Diante de ti ponho a vida e ponho a morte / Mas tens que saber escolher:” A música, com inspiração bíblica, adverte: “Se escolhes matar, também morrerás; / Se deixas viver, também viverás. / Então viva e deixa viver”. Este recado não foi dado apenas pela música do Padre Zezinho, mas pelo cenário preparado pela organização da Romaria, que procurou contrastar a Agricultura Familiar Camponesa com o modelo do Agronegócio. Também foi enfocada a questão do uso das águas e as fontes energéticas, considerando o problema das barragens que aflige milhares de famílias camponesas no Estado.
É notória a diferença entre a Agricultura Familiar Camponesa e o Agronegócio, que é a agricultura expansiva, preocupada em atender a demanda do mercado internacional. Quem nasceu e foi criado no campo, sabe que o pequeno agricultor, o camponês, trabalha na terra onde vive e a sua terra é sua casa, é sua vida, é seu mundo e ele procura cuidar da melhor forma possível para deixar algo salutar para seus filhos. Na agricultura camponesa, a família trabalhadora cuida dos banhados, arroios, córregos, fontes e nascentes, árvores nativas e toda a biodiversidade que ali existe. Mas num latifúndio, onde acontece o agronegócio é bem o contrário. Lá tudo é devastado para plantar grandes extensões de uma única espécie. E o dono da terra ou da plantação manda mecanizar o máximo possível, desrespeitando a paisagem e a configuração natural da terra, além de se utilizar de todo o tipo de venenos, sem nenhum compromisso com a vida, apenas interessado no lucro da produção.
O camponês, normalmente planta de tudo. Planta o que a família precisa para sua subsistência e algo a mais para comercializar e obter alguma renda. E assim, a agricultura familiar camponesa alimenta nosso país. Mas, o latifúndio, numa grande porção de terra, às vezes milhares de hectares, cultiva uma única planta, seja milho, soja, café, eucalipto. O agronegócio, de olho no mercado internacional, cultiva o lucro envenenando a terra e as águas. Na pequena propriedade, as relações de trabalho e a distribuição da renda acontecem de forma mais humana, justa e democrática. Mas no latifúndio existe concentração de terra, de poder e renda.
Como filho de um pequeno agricultor, tenho a responsabilidade de afirmar com muita convicção que a agricultura familiar camponesa planta vida na terra, porque o trabalho acontece com espiritualidade. A família que cultiva uma pequena propriedade ou um pequeno lote de assentamento, geralmente, tem amor pelo seu pedaço de chão e sabe que ali está seu grande tesouro e por isso planta na terra o próprio coração. Percebi desde criança com meus pais que para cultivar uma pequena propriedade é preciso muita coragem, persistência, amor e fé. Mas, o grande produtor, no agronegócio, só precisa do dinheiro, porque a terra para ele é um instrumento de especulação e lucro. O agronegócio é predador, exclui os pobres da terra e destrói a natureza.
A música entoada na 35ª Romaria da Terra alerta que envenenar o solo, o ar e as águas é também ser envenenado, porque “se escolhes matar, também morrerás”. Porém, na Agricultura Familiar Camponesa, o trabalhador e a trabalhadora cultivam a terra e por ela são cultivados, porque aprendem com a natureza a lição de que “se deixas viver, também viverás”.
A 35ª Romaria da Terra, em Santo Cristo, na Diocese de Santo Ângelo, foi, com certeza, um marco de conscientização sobre o grande valor da Agricultura Familiar Camponesa. A Romaria cumpriu sua dimensão profética ao abordar este tema. Mas, também é preciso reconhecer o descuido com relação ao assunto do Código Florestal. A Romaria teve a presença de políticos, tanto os que foram contra as retrogradas mudanças no Código Florestal Brasileiro, como quem votou junto com a bancada ruralista no Congresso Nacional, mas para estes não houve nenhuma contestação. 
Para ser ainda mais profética, a Romaria deveria ter sido um ato em defesa da legislação que preserva a vida, porque o Código Florestal, embora danificado pelo Congresso, ainda está nas mãos da Presidenta Dilma. Mas, infelizmente, a 35ª Romaria da Terra, com mais de 15 mil romeiros e romeiras, esqueceu de levantar a voz contra o absurdo da mudança do Código Florestal, que nada mais é do que uma adaptação nas leis para favorecer apenas e tão somente o Agronegócio, para saciar sua sede de lucro, sugando ainda mais a natureza. A mesma natureza que é tão bem cuidada pela Agricultura Familiar Camponesa, que gera vida com saúde.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Jovens percorrem os “Caminhos de São Sepé Tiarajú”

Encontro com a comunidade Quilombola de Rincão dos Negros-Rio Pardo-RS
“De bicicleta deixando para trás o estresse, contemplando a natureza e se comprometendo com a vida”.

Por Maurício Queiroz*
Aconteceu de 3 a 7 de fevereiro de 2012 a 5ª”Bicicletada”, “Jovens Percorrendo os Caminhos de São Sepé Tiarajú saindo de Rio Pardo e indo em direção à São Gabriel-RS.
Este ano, ao contrario dos anteriores, a “Bicicletada”não percorreu toda a quilometragem de mais de 220km. Aconteceu com atos nas cidades de: Rio Pardo, São Sepé, Caçapava do Sul e São Gabriel. Ao todo mais de 25 jovens fizeram cerca de 100km de bicicleta nestes atos realizados nas cidades que citamos acima.
Em Rio Pardo, teve início nas margens da Rodovia BR 471 entre Pântano Grande e Rio Pardo, em uma fonte na beira da rodovia que secou devido a monocultura de eucalipto dos latifúndios próximos, com reflexão sobre o meio ambiente e as injustiças sociais. Depois seguiram até Rio Pardo distante 16,4 km, onde almoçaram na Casa Jesus Maria José e ficaram hospedados, neste local também foi realizado formação com os jovens.
A tarde realizaram ato no Forte Jesus Maria José local onde os Portugueses prenderam o índio Sepé. Lá os jovens da “Bicicletada” receberam cerca de 500 jovens do Levante Popular da Juventude de todo o Brasil. Houve uma forte reflexão sobre a luta dos povos indígenas feita pelo Irmão Antônio Cechin que abordou questões históricas e atuais da luta.
A juventude do Levante junto com os jovens da Bicicletada
em Rio Pardo no Forte Jesus Maria José em Rio Pardo-RS
No dia 04 pela manhã os jovens foram visitar locais históricos de Rio Pardo, entre os principais: A Rua da Ladeira (1ªrua calçada no RS, feita pelos escravos há quase 200 anos). Na parte da tarde a visita foi para o Quilombo Rincão dos Negros, no Passo da Taquara, em Rio Pardo. Maurício e Oldi da CPT organizaram a visita que foi uma forma de integrar os jovens junto aos Quilombolas para conhecerem sua história. Quilombo este que está trabalhando para recuperar suas terras. As 30 famílias receberão 500 hectares que já estão sendo demarcadas. Uma luta muito importante e que foi relatada pelo líder Adair David.
No dia 5 foram de ônibus até São Sepé onde realizaram atos locais e seguiram em direção à São Gabriel, local onde Sepé Tiarajú foi morto no dia 07 de fevereiro de 1756 pelos exércitos de Espanha e Portugal que armaram emboscada e no dia 10 de fevereiro de 1756 mais de 1500 guaranis foram assassinados pelos dois exércitos. Dias 6 e 7 os jovens participaram do encontro dos Guaranis que estavam em mais de 500 acampados no parque do município discutindo a sua luta.
Creio que relatei os pontos mais importantes do roteiro, mas queria ainda dizer que o objetivo da “Bicicletada”é Unir jovens da roça e das periferias urbanas, indígenas e quilombolas e demais culturas em uma atividade física que é bom para o corpo e a mente, em uma atividade que trás reflexão sobre o meio ambiente, fé e também sobre a luta dos povos gerando consciência social e compromisso com estas causas.
Ande de bicicleta. Faça atividade física. Preserve a natureza. Se comprometa com a vida. Entre na luta social por um mundo melhor.

*Maurício Queiroz é Técnico Agrícola, estudante de Biologia, agente da CPT na Diocese de Santa Cruz do Sul e membro da coordenação colegiada da CPT-RS.

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