terça-feira, 17 de junho de 2014

Parabéns Irmão Antônio Cechin pelos 87 anos

Hoje, 17 de junho de 2014, Irmão Antônio Cechin completa 87 anos e, para homenageá-lo, transcrevi o último capítulo do livro "O Irmão dos Pobres". Por graça de Deus, recebi a missão de escrever a biografia do Irmão Antônio e, ao concluir o livro, Frei Sergio Görgen sugeriu este último capítulo, um texto que eu tinha escrito para uma coletânea de artigos e depoimentos em homenagem aos 80 anos do Cechin, publicados por IHU Unisinos. E foi assim que concluí a biografia do irmão dos pobres, o profeta da ecologia. Este texto está nas páginas 130 a 136 do livro O Irmão dos Pobres. Antônio Cechin: uma biografia, publicado em 2009 pela ESTEF e Instituto Cultural Padre Josimo.


MEU ENCONTRO COM IRMÃO ANTÔNIO CECHIN

"Quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês; e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se servo de todos" (Mc 10,43-45).

Eu era entregador de jornal e, às cinco horas da manhã, numa bicicleta, começava meu itinerário pelas ruas dos bairros Mathias Velho e Santo Operário, em Canoas. O entregador de jornal tem que saber de cor e salteado o nome de todas as ruas do território onde trabalha. E eu sabia e ainda me lembro bem para nunca esquecer. Não apenas decorei o nome das ruas para saber por onde andar entregando o jornal, mas pelo encantamento com o significado de cada nome.
A minha rua, a Sino da União, por exemplo, lembra que na ocupação da área, então chamada de Prado, depois Vila União dos Operários, quando havia qualquer ameaça às famílias, alguém tocava o sino e o povo se reunia para, unido, melhor resistir e nada de mal acontecesse. Na mesma vila está a Rua Libertação que nos lembra a história do povo de Deus na Bíblia e a história de muitas famílias de Canoas que sonhavam com sua libertação, com uma vida melhor.
A Rua dos Romeiros lembra que ali passou a bendita Romaria da Terra. É a rua da fé, onde, bem na esquina, se levantou uma igreja que foi a base da luta e organização do povo. É a Comunidade Divino Mestre, que recebeu este nome – e não de um santo católico – para ser um melhor espaço ecumênico, de organização e manifestação de fé, unindo famílias de diversas confissões religiosas. Também foi porque, no tribunal onde se deu o julgamento do processo da ocupação, como é em quase todas as salas de tribunal, acima da cabeça do juiz havia um crucifixo. E as pessoas presentes no julgamento rezavam ao Divino Mestre (da Cruz) para que guiasse a cabeça do juiz e a sua sentença fosse favorável aos que tanto precisavam da terra, que ocuparam tão somente por necessidade.
Foi no dia 18 de novembro de 1983 que as famílias ocupantes do Prado obtiveram a definitiva posse da terra que é celebrada todos os anos, junto com a festa do padroeiro Divino Mestre. E a vila segue sendo chamada de União dos Operários. Pois, é resultado da união de muitas famílias operárias. Uma das ruas é a “18 de Novembro”, que lembra o dia dessa vitória, quando as famílias da Vila União dos Operários conquistaram a posse da terra. Essa rua também ganhou uma igreja, a Comunidade Nossa Senhora dos Romeiros, que mantém viva a história com o compromisso e o sonho de um povo.
Seguindo meu itinerário de entregador de jornal, passava também pela Rua Negrinho Santo – onde morou minha Vó Leonora. Essa rua nos lembra o Negrinho do Pastoreio e está na Vila Santo Operário que faz uma homenagem ao operário mártir, Santo Dias da Silva. E, mais a frente está a Rua São Sepé que lembra o índio Sepé Tiarajú. E bem mais adiante, a Vila Natal, que é uma marca histórica da organização dos pobres. Esse nome é uma homenagem aos que ocuparam a Santo Operário na noite do Natal de 1979. Naquele tempo, quando as famílias estavam reunidas em novena de preparação ao Natal, elas se sentiam semelhantes ao Deus Menino, pobre e sem lar. Então, animadas pela mesma fé que movia o coração de José e Maria, despertaram e ocuparam uma área de terra, onde fizeram suas moradas, como fez a Sagrada Família na gruta de Belém.
Como na palma da mão, leio nessas ruas e vilas a minha história de entregador de jornal. E a história de um povo que vinha de muitos povos. Eram famílias que, como a minha, a sorte fez migrar em busca de um novo amanhã. E nas entrelinhas do que leio, vejo a história, a vida de um irmão que Deus nos deu. Este tão querido Irmão Antonio Cechin. Ao passar entregando o jornal, cada rua me apresentava o Irmão Antonio, cada rua me contava sua história, sua trajetória de luta e fé. Ele havia passado por ali, guiado pela mão de Deus, conduzindo o povo no caminho da libertação.
Quando tudo ainda era difícil – as cercas, o banhado, os alagamentos, os jagunços e tantas outras dificuldades – por ali passaram os pés de um peregrino, Irmão dos Pobres, amigo de Deus. As ruas contam a história de lutas e conquistas de um povo, e essa história revela o coração, a alma, a vida simples, mas heróica e corajosa, de Irmão Antônio Cechin. O nosso querido Irmão Antônio, o Tonico – como o chama a Matilde – que no dia 17 de junho de 2007 completou 80 anos de vida e continua persistindo na missão.
Foi por estes caminhos que eu o encontrei. Mas quando ali cheguei, já na década de 80, ele havia migrado para outras terras. Foi ao encontro dos ainda mais pobres e excluídos. No entanto, tudo o que fui conhecendo e vivendo na caminhada das CEB’s, em Canoas, me fez ver e conhecer de perto o Irmão Antônio Cechin. E, por sua ternura e bondade, aprendi a amá-lo como irmão. Por sua sabedoria e fidelidade ao Deus dos pobres, aprendi admirar, seguir e a respeitar nele um mestre, um profeta. Quando o chamo de mestre, sei que não estou contrariando as palavras do Evangelho em que Cristo revela que um só é nosso mestre (cf. Mt 23,8). Pois, aquele que é o único mestre se revela em nossos irmãos e irmãs de caminho, que nos ensinam, nos ajudam a compreender a mensagem do Divino Mestre, e por isso são também nossos mestres.
Com o Irmão Cechin aprendi que seguir a Cristo é amar os pobres, é lutar pela dignidade humana e a integridade da vida. Depois dos primeiros passos em Canoas, segui minha caminhada formativa com o objetivo de ser frade capuchinho. Passei por outros lugares e voltei a Canoas para concluir a formação inicial com o curso de Teologia na ESTEF, em Porto Alegre. Então pude confrontar a Teologia com minhas experiências nas CEB’s e o que aprendi do Irmão Antônio. E quando já estava no quinto e último ano do curso, no dia 18 de junho de 2004, tivemos uma manhã de aula com o Irmão Cechin, que nos falou sobre sua vida, especialmente no período da ditadura militar. Aquela foi uma aula simbólica que uniu todas as coisas que aprendi e vivi na Teologia, nas CEB’s, na formação franciscano-capuchinha, desde os tempos de entregador de jornal e desde quando era criança. E naquele dia pensei comigo mesmo: “agora posso concluir o curso de Teologia”. Não era a ilusão de saber tudo ou saber muito. Mas, com a aula magna do Irmão Cechin, tive a compreensão clara do meu pouco saber e do muito a buscar em meio aos conflitos, desafios, fracassos, vitórias, sonhos e utopias. Naquele momento, olhando os passos compassivos do Irmão junto aos pobres, tive um pouco mais lúcida a noção do meu dever histórico como ser humano e cristão.
Agora, só queria agradecer ao Irmão Antonio que acreditou e nos mostrou a Teologia da Libertação, as Comunidades Eclesiais de Case, a Catequese Libertadora. Ele que edificou sua vida lutando pela dignidade humana e, com a força da fé, testemunhou o Evangelho de Jesus Cristo na radical opção pelos pobres. Foi perseguido, preso e torturado pela ditadura militar, mas nem o castigo, a violência e a crueldade que sofreu lhe fizeram abandonar seus ideais. Ele superou tudo e até hoje continua sua missão a serviço dos mais pobres. Ajudou a criar as Comunidades Eclesiais de Base, a Pastoral da Terra e o MST no Rio Grande do Sul. E depois se empenhou com a organização dos catadores em Canoas e Porto Alegre, criou a Pastoral da Ecologia e protagonizou o reavivamento do símbolo que é São Sepé Tiarajú. Nos últimos anos, vem motivando a Igreja no Rio Grande do Sul a assumir a bandeira da Ecologia. Irmão Antonio, já passando seus 80 anos de vida, vem lutando em defesa das águas, dos pobres e do meio ambiente. E vêm nos dando muitas lições de vida e de fé.
Costumamos dizer que Irmão Antonio é o pai das CEB’s, mas as CEB’s são a sua mãe, os seus irmãos, a sua vida, a sua história. E quando glorificamos a Deus pela vida deste querido irmão, estamos louvando a Deus pelas Comunidades Eclesiais de Base e a Teologia da Libertação, pela Catequese Libertadora, pela Comissão Pastoral da Terra, pelo Movimento dos Sem Terra, pela Pastoral da Ecologia e por tantas bênçãos que recebemos de Deus através de suas mãos servidoras.
Quando o Irmão completou 80 anos, em 2007, fiquei pensando com que palavras eu poderia homenageá-lo. E de que maneira agradecê-lo por tudo o que fez ao longo da vida. E por continuar sendo um catequista que nos ensina a viver a fé na justiça e na paz. A melhor homenagem que posso lhe fazer é assumir a mesma causa, viver o mesmo ideal e lutar com o mesmo espírito e fé que o fez ser, não apenas Irmão de uma congregação religiosa, mas o verdadeiro Irmão dos Pobres. Ele é um referencial de vida que quero seguir. Com a pedagogia do Divino Mestre, que caminhou com seus discípulos e com os pobres da Palestina, Irmão Antônio Cechin é um verdadeiro catequista, que nos mostra o caminho caminhando.
No livro “Batismo de Sangue”, Frei Betto escreve que Irmão Antônio pertence “a esse raríssimo tipo de pessoa que é capaz de participar a fundo das lutas sociais sem envolver-se em intrigas ideológicas ou em concorrências políticas, preservando em seu silêncio a paz interior e a lucidez de espírito” (BETTO, 1982, p. 137). É um ser humano extraordinário, uma pessoa digna de todo respeito e admiração.
Foi com grande consideração e estima, com sincero respeito e encantamento, com profunda ternura e amizade que escrevi esta sua história. Bem pouco de toda sua grandeza. Mas que estas poucas páginas sejam um convite, especialmente aos jovens, a conhecer a vida de Irmão Antônio Cechin. Uma vida que restaurou esperanças, sonhos e ideais silenciados em tantos corações e mentes.

E quero concluir agradecendo ao bom Deus que nos deu este Irmão, capaz de resistir à opressão dos tiranos pela força de seu amor aos pobres e oprimidos.

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