sexta-feira, 17 de julho de 2009

Última página de um livro que escrevemos juntos

Carta de Frei Pilato Pereira às Comunidades dos Assentamentos de Hulha Negra, Candiota e Aceguá, na sua saída da Comunidade Padre Josimo, da qual participou efetivamente desde 7 de fevereiro de 2006.

Última página de um livro que escrevemos juntos
Irmãos companheiros e irmãs companheiras na luta e na fé! Escrevo esta mensagem como sendo a última página de um livro que escrevemos juntos. Na certeza de que este não é nosso último livro. É apenas uma página concluída que abre outra e permite a continuidade da nossa história comum.
Depois de três anos e meio convivendo nestas terras, com este povo que aprendi a amar e respeitar preciso dizer adeus. Porque isto faz parte da vida. Dizer adeus não é esquecer, não é abandonar. Muito pelo contrario. Dizemos adeus no sentindo de levar, no coração, as pessoas das quais nos despedimos.
E eu quero me despedir pedindo perdão pelos erros e falhas que devo ter cometido. E também, quero agradecer pela paciência, bondade, a companhia e presença de cada um e cada uma ao longo deste tempo. Tenho certeza de que aprendi muito; muito mais do que pude ensinar. Mas não tive nunca a pretensão de ensinar. O que sempre tive foi o compromisso de ajudar a construir conhecimentos livres, libertários e libertadores.
Nas poucas obras que pude colaborar foi na Rádio Comunitária Terra Livre, especialmente no Jornal Aldeia Global. No espaço de Opinião não tive a pretensão de formar opinião, mas procurei me encorajar para manifestar o sentimento e o pensamento do povo desta terra que agora vive livre das garras do latifúndio. Meu objetivo sempre foi comunicar as palavras e as vozes que a história oficial havia silenciado.
Nas comunidades, não quis converter ninguém. Não era este meu objetivo, nem a razão de ser da minha missão. Procurei testemunhar a minha conversão cotidiana para me unir na caminhada espiritual do Povo de Deus e juntos darmos testemunho da fé libertadora. A fé que é capaz de mover as montanhas do egoísmo, da prepotência, da opressão, da violência e da injustiça cometidas contra a vida humana e da natureza. A fé que é capaz de romper cercas para semear vida nova e plantar na terra a bandeira da paz e da justiça.
Sei que fiz pouco ou quase nada, mas sigo meu caminho com a felicidade de ter passado por aqui, de ter conhecido todas estas pessoas que conheci. Sou feliz e agradeço a Deus por Ele ter me concedido a graça de viver num assentamento de Reforma Agrária, do MST. Antes eu já admirava muito o Movimento dos Sem Terra. Agora admiro muito mais e sei o quanto o MST foi e continua sendo importante para a vida de milhares de pessoas e famílias. Sei o quanto é grandioso o ato de erguer a bandeira do MST, sei o quanto vale a coragem de romper uma cerca. Vivendo nestas terras livres, meu coração é mais livre, minha mente é mais libertária e o meu caminho é a liberdade.
Aqui eu pude ver o quanto é digno uma família se juntar a tantas outras para viver embaixo de uma lona preta na beira de uma estrada, mostrando para o governo e a sociedade que a Reforma Agrária é importante, urgente e necessária. Compreendo com mais clareza e convicção o sagrado valor da Reforma Agrária defendida pelo MST neste país.
Acredito que em todos os lugares por onde passamos, devemos passar como passam as águas no leito de um rio. As águas nunca mais são as mesmas e o rio nunca mais é o mesmo. Rio e águas se transformam e transformam a vida. Sabemos que as estruturas são rígidas, mas quando os corações são guerreiros e valentes não há pedra dura que resista a persistência de gotas d’água. Bem como não há cercas que resistam a força do sonho dos pobres expresso na organização e na luta.
Só peço a Deus que nos ilumine na caminhada e que sustente nosso caminhar. E que nunca nos falte força e coragem, tão necessárias para viver a esperança e testemunhar a fé no Deus criador e defensor da Vida.
Sigo em frente com a certeza de que nossos caminhos vão se cruzar, porque temos sonhos em comum e lutamos no mesmo lado, na mesma trincheira que pleiteia o triunfo da revolução.
Com a bênção de Deus. Um abraço fraterno a todos e todas.
Frei Pilato Pereira
Hulha Negra, 15 de julho de 2009.

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